sexta-feira, 31 de maio de 2013

A inevitabilidade biológica


V. tem 40 anos, é uma líder carismática, visionária, com um perfil acelerado, pressionante e assertiva…a raiar para o agressivo. Invejada pela sua capacidade de almejar mais longe e dona de uma capacidade divergente fora de série, simultaneamente e paradoxalmente, ao mesmo tempo que apaixona, acicata e desperta emoções primárias negativas que surgem quase de forma incontrolável nas suas equipas.
Como o coração tem razões que a própria razão desconhece, as próprias equipas acabam por ter comportamentos incongruentes, apoiando a V. com a razão, mas não com o coração – não que conscientemente não achem que muitas vezes quando V. apresenta os seus argumentos, eles não sejam a melhor solução, mas “vá se lá saber porquê”, os seus comportamentos são traídos por uma intencionalidade emocional que está latente, mas que não está ao nível do consciente.
Traduzindo, de forma simples, esta equação, o que se passa é que a componente emocional no ser humano continua a imperar e a ditar regras – mesmo que racionalmente as equipas concordem com a  V. quando afirma que as regras são para ser cumpridas, ao afirmá-lo di-lo de uma forma agressiva, verbal e não-verbal e, apesar da concordância racional, gera nas suas equipas uma determinada tensão emocional negativa que se vai acumulando.
Entretanto V. não pode fazer tudo sozinha e precisa da sua equipa, precisa de os entusiasmar, de levá-los para uma tensão criativa que possa gerar uma acção dinamizadora e proactiva. E o que é acontece nas suas equipas? Qual é o comportamento delas? Inércia, status quo, inacção, resistência à mudança. O que aconteceu? Sabotagem inconsciente. As emoções negativas geraram de facto uma sabotagem inconsciente (ou mesmo consciente) e V. obviamente sente-se desolada, frustrada e incapaz de mover e liderar a sua equipa para uma nova fronteira do desempenho, continuando a movimentar-se numa liderança mais transacional e dessa forma não consegue tornar-se numa verdadeira líder transformacional que catapulta a sua equipa para desempenhos extraordinários.
V. não é uma personagem ficcional. Existe e verifiquei in loco tudo aquilo que foi retratado. Os líderes de hoje e os líderes de amanhã têm que se consciencializar que os liderados de hoje e os liderados de amanhã, já não toleram determinadas lideranças tóxicas, querem e desejam líderes exigentes, visionários, mas líderes positivos que transformem e não destruam o potencial criativo de cada um através do controlo e da utilização de emoções negativas, porque depois o que acontece de seguida …é uma inevitabilidade biológica.
Nuno Gonçalves - Partner LearnView

Porque pode falhar uma formação?

Existem diversos motivos porque uma formação pode não causar o impacto pretendido. Não querendo ser prescritivo porque sabemos que a complexidade dos sistemas organizacionais não funciona numa lógica mecanicista – isto é, numa lógica causa-efeito, mas sim numa lógica sistémica – onde existe uma circularidade retroactiva entre causa e efeito -gostaria de apresentar algumas ideias para ampliar a nossa visão do processo formativo. 

Pode falhar por:

a) Expectativas irrealistas

Comentários:
1) É necessário compreender como se dá o processo de aprendizagem num adulto – não é expectável esperar mudanças comportamentais em três dias de formação;
2) Num diagnóstico é necessário desconstruir as “blink words” – palavras que são demasiado genéricas que podem ter amplos significados e, que podem ter diferentes interpretações;
3) É necessário construir diagnósticos mais sustentados e profundos que traduzam e esclareçam de forma mais evidente e clara o que é possível fazer face àquilo que é necessário fazer;
4) Por vezes, sabemos que este momento inicial é repleto de “wishful thinkings”, tanto do lado da organização, como do lado da consultora. Por isso é preciso imprimir uma dose sustentável de realismo optimista.

b) Falta de compreensão estratégica do processo desenvolvimento de competências

Comentários:
1) Numa lógica de criação de valor, numa gestão estratégica de recursos humanos, as competências a desenvolver devem estar alinhadas com a estratégia da organização, de forma a poderem proporcionar à organização as vantagens competitivas necessárias;
2) Muitas vezes, a escolha das competências a formar é realizada ad-hoc e sem o discernimento estratégico necessário para tornar a GRH um actor decisivo no conselho de administração de qualquer organização.
3) É essencial mapear as competências actuais da organização e compreender o gap existente entre aquilo que é necessário e aquilo que existe
4) Mormente, este processo é feito de forma bastante académica, bem sustentado do ponto de vista formal – graficamente e conceptualmente bem feito – mas vazio, muitas vezes, porque apenas retira uma imagem superficial e é retratado com diversos jargões que dizem tudo mas não dizem nada.

c) Falta de integração do processo formativo na organização dos processos e métodos de trabalho

Comentários:
1) De acordo com os teóricos das “Learning Organizations”, nomeadamente Peter Senge, a aprendizagem dá-se no local de trabalho e não numa sala de formação;  
2) Um dos saberes esquecidos na aprendizagem de uma competência é o “Poder-Fazer” – significa isso que a integração de novas práticas, atitudes e comportamentos tem que ser acompanhada com a inclusão das mesmas em rotinas de trabalho;
3) Dessa forma, o conteúdo prático das formações deve ser antecipadamente testado e avalizado pela GRH e respectivos departamentos como práticas aceites pela organização;
4) Dessa forma, a “antes da formação” deve ser alvo de maior atenção – em tempo e em profundidade, se queremos de fato promover melhorias significativas nas competências a desenvolver.

d) Grupos heterogéneos em termos das necessidades específicas de desenvolvimento

Comentários:
1) É comum a integração na formação de grupos perfeitamente heterogéneos em termos de conhecimentos, competências, aptidões, motivações;
2) Esta heterogeneidade permite por um lado que os menos experientes aprendam com os mais experientes;  
3) Mas não permite uma formação mais direccionada, tornando-a mais generalista e menos profunda e menos específica;
4) O nível de desafios colocados a cada formando não é ajustável ao nível de conhecimentos e capacidades actuais

e) Excessivo apego aos aspectos burocráticos

Comentários:
1) É sabido que em Portugal gostamos de papéis, burocracias, que nos fazem ser eficientes, mas nem sempre eficazes;
2) É óbvio que existem aspectos processos importantes – toda a formação deverá ter um Dossier técnico pedagógico, no entanto uma formação tem que motivar e inspirar o formando no ponto de vista emocional, não tem que o “encher” de burocracias racionais e lógicas mas que tornam a formação pouco cativante
3) A GRH, tem uma componente processual grande, deverá também estar mais concentrada em ser eficaz, em realizar o “delivering” da formação, e o seu papel nesse desiderato é essencial, diria mais, determinante.  

f) Falta de responsabilização dos participantes

Comentários:
1) É comum existirem formandos que ou não estão interessados ou motivados na formação que estão a ter parte integrante;  
2) É comum existirem formandos que se sentem pressionados, obrigados a participar na formação
3) É comum existirem formandos que não sentem responsabilidade (Accountability) para incrementarem o seu desempenho com as novas práticas, conhecimentos que adquiram;  
4) É legitimo que a GRH filtre estas situações antecipadamente para evitar que formandos:
a) Desmotivados; b) desinteressados; c) Não responsáveis estejam presentes na formação continuando a ter estes comportamentos
5) É legítimo que a GRH encontre formas de responsabilizar o formando pelo desempenho durante a formação e após a formação através de mecanismos de feedback e/ ou estabelecer contratos formais de formação, em que ficará estabelecido o atingir de determinados resultados tangíveis e intangíveis.

g) Objectivos e programas demasiado ambiciosos para tão pouco tempo

Comentários:
1) Se o que se pretende com a formação é que ela seja um veículo de mudança e de desenvolvimento das “core competências ou transversais” da organização – é incompreensível que se contrate uma formação em que se pretende que em três dias se desenvolvam tantos objectivos pedagógicos, sabendo que, assim dizem os especialistas no desenvolvimento de competências, deveríamos desenvolver apenas um novo comportamento por ano;
2) As formações deveriam assim assentar em poucos objectivos, mas trabalhados com uma maior profundidade;
3) Como foi dito anteriormente, essa nova prática deveria depois ser incorporada nas rotinas de trabalho de forma a ser consolidada;
4) Claramente essencial durante a execução desses novos comportamentos é a existência de feedback, que pode surgir tanto da chefia, como de um “buddie” escolhido especialmente para ajudar o formando a desenvolver a competência;
5) Sem um feedback preciso, especifico, detalhado, a aprendizagem é descontinuada – daí ser essencial existir feedback durante o processo de aprendizagem e/ou reaprendizagem.

h) Incapacidade para ultrapassar a imunidade à mudança comum ao ser humano
1) Já é um lugar-comum quando se fala em aprendizagem, falar em zonas de desconforto;    
2) A Zona de desconforto existe porque temos mecanismos biológicos fortíssimos que agem como um sistema de imunidade (que nos têm sido úteis há milhares de anos) à mudança;
3) Quando realizamos práticas desconhecidas accionamos mecanismos de ansiedade e mecanismos cognitivos que frustram qualquer tentativa de mudança;
4) É essencial criar uma cultura de aprendizagem, e “incubadoras” de novas práticas para os formandos poderem errar no processo de aprendizagem sem sentirem que o seu emprego está em causa

i) Métodos ineficazes para gerar dissonância cognitiva

Comentários:
1) Sendo a atitude um pré-disposição para um comportamento;
2) Sendo as atitudes formadas por crenças, experiências, expectativas e educação impregnadas muitas vezes como a 2ª pele do formando;
3) Sendo que uma formação se baseia muitas vezes numa mudança de atitude;
4) É necessário perceber como se dá a mudança de atitude – ela dá-se provocando a dissonância cognitiva – isto é, através de exemplos, histórias, estudos científicos, etc., apresentados de forma persuasiva, os quais permitirão fazer o formando reflectir sobre as consequências e benefícios de ter uma nova atitude – ao mudar a atitude ele terá que mudar o comportamento para que o mesmo se ajuste/seja consonante com a nova atitude.

j) Modelos mentais pouco flexíveis e limitados

Comentários:
1) Entenda-se como modelo mental o sistema de crenças, de pensamento, de percepção e de interpretação que cada formando tem sobre a realidade;
2) Mais amplo que o conceito de atitude, os modelos mentais são como uns “óculos” que filtram a realidade de acordo com os pressupostos individuais de cada um;
3) Modelos mentais limitados, pouco flexíveis, fechados em dogmas e em mitos sobre a aprendizagem, como por exemplo, “ele nasceu com aquele dom”, limitam em muito o alcance e profundidade de uma formação;
4) Se uma organização pretende efectivamente tornar-se numa organização onde as pessoas desenvolvem as suas competências através de processos formativos formais ou informais, deverá criar uma cultura onde existem modelos mentais abertos e flexíveis;
5) Para o efeito a própria organização poderá criar formações específicas para “flexibilizar” os modelos mentais” das suas equipas de forma a ampliar e dotá-las de maior espaço mental para a aprendizagem e desenvolvimento de competências.
Nuno Gonçalves - Partner LearnView

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Quando saber não é suficiente


Constato nas centenas de ações formativas que já facilitei que o capital humano português tem um enorme potencial intelectual e comportamental. Temos tudo para sermos altamente competitivos no mercado global nacional e internacional. Gostaria no entanto, enquanto agente de mudança, de partilhar uma das fragilidades que sinto que existe no mindset do profissional português, genericamente falando.
O boom da formação em desenvolvimento das competências comportamentais (soft skills) desde os anos noventa do século XX tem sido extraordinário – inúmeras ações formativas, workshops, palestras, muito têm contribuído para a literacia emocional e comportamental dos profissionais portugueses – estamos sem dúvida na vanguarda do conhecimento, no que diz respeito à introdução das novas práticas, tendências e modas.
Podemos dizer que há potencial, mas no que diz respeito propriamente à evolução das competências comportamentais há algumas limitações nos modelos mentais dos profissionais portugueses – o que é que significa modelos mentais? A forma como pensamos e estruturamos o nosso pensamento, os nossos pressupostos que moldam posteriormente as nossas acções. Diria que alguns modelos mentais são pouco flexíveis, pouco capazes de se tornarem mais “plásticos”, isto é, terem a capacidade de receberem inputs diferentes e moldarem o seu modelo mental em função das circunstâncias e do pragmatismo que se impõe às diversas situações que se impõem à realidade de cada um.
Esta capacidade de moldar o nosso modelo mental é decisiva num processo de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional – é a capacidade de perceber que somos nós que controlamos os nossos pressupostos e não são os nossos pressupostos que nos controlam – significa isto que podemos escolher quais os pressupostos que não nos ajudam a atingir os objetivos que pretendemos – em vez disso, por vezes, agarramo-nos aos nossos pressupostos acreditando que eles e nós somos a mesmíssima coisa.
Somos assim moldados pelas expetativas externas a nós e menos pela capacidade de nos elevarmos numa cadeira de julgamento externa a nós mesmos e termos a capacidade de criarmos algo em função das nossas escolhas no presente e não em função de ideias nas quais estamos arreigados e que não nos queremos libertar como se fossem lapas agarradas a nós.
Ao não termos esta capacidade de moldarmos o nosso modelo mental, agimos relativamente a nós como um “produto acabado” – e que consequência terá isso nas formações comportamentais? Tendo disponível um conjunto de saberes extraordinário, de conhecimentos e práticas que nos permitiriam potenciar em larga escala o nosso desempenho, ficamos agarrados a premissas e resistências que impedem esse crescimento. Este exacerbar do “ego” que não se coloca em causa, que se identifica com as suas ideias como se elas fizessem parte do seu ADN, impede-nos de crescer.
Teríamos tudo a ganhar se, tivéssemos uma postura mais humilde e quiséssemos vermo-nos como “produtos em construção” – desejosos de aperfeiçoar as técnicas e os comportamentos que permitiriam não só sermos bons, porque já somos, mas sermos extraordinariamente bons.

Nuno Gonçalves - Partner LearnView

É fácil falar?


É comum nas ações de formação, eu ouvir recorrentemente a frase: “falar é fácil, difícil é fazer”. Por que será? Porque implica claramente uma mudança de hábitos, de forma de pensar e de estar, de uma atitude diferente. Porque implica uma mudança mental e isso traz riscos, pois vamos embarcar para águas desconhecidas. Mas reflitamos um pouco: se conscientemente concordamos que esses novos hábitos nos vão poder ajudar a ser mais bem-sucedidos, a ter melhores resultados e em última instância a ser mais felizes, por que não os mudamos? Declaradamente por medo. Medo fantasiado, medo exacerbado, medo irreal, construído por nós e em nós. Somos assim reféns desses medos – podemos chamar-lhe outros nomes – mas são sobretudo mecanismos de defesa que nos criam um sistema muito bem concebido para nos impedir que sintamos medo, ansiedade, enfim emoções negativas que geram desconforto. Como sentimos medo e assumi-lo socialmente é deveras negativo, racionalizamos construindo um sistema de crenças que legitimam as nossas ações – para poder ter coerência cognitiva e evitar a dissonância cognitiva – Leon Festinger – foi quem desenvolveu esta teoria que preconiza que as nossas crenças/expetativas são ajustadas às nossas atitudes/comportamentos, isto é, se o meu comportamento/atitude é contrário a uma determinada ideia/pensamento, ou das duas uma, ou mudo o meu comportamento/atitude ou muda a minha ideia – caso contrário vou entrar em dissonância cognitiva (o “tico” e o “teco” em contradição). O interessante nos estudos de Festinger foi que para conseguir a tal coerência cognitiva normalmente a “parte mais fraca” cede, ou seja, imaginando que estamos a tentar enquanto líderes ajudar a transformar a atitude de um colaborador mostrando-lhe que a sua atitude não está ajustada aos valores da organização, se na luta interna travada pelo “tico e o teco” do colaborador, a adopção destas novas ideias forem mais “fracas” que a mudança de comportamento, pois este implica desconforto, o mais certo é o colaborador para garantir a coerência cognitiva encontrar razões para não ter esse comportamento: porque é a sua natureza, porque o chefe não o apoia, porque tem problemas em casa, etc. etc. Somos humanos, é normal que reajamos assim, pois precisamos de estar coerentemente ajustados entre aquilo que fazemos e aquilo que dizemos.
Então, o que podemos fazer enquanto agentes de mudança, enquanto líderes, para ajudar o colaborador a mudar a sua atitude e comportamento? Nada de novo no Reino da Dinamarca, apenas a plena tomada de consciência de que para mudar a atitude de alguém é necessário perceber como se formam as nossas atitudes – elas são formadas pela experiência, pela aprendizagem, pela educação, e ao longo da vida fomos confirmando essas mesmas atitudes – para que elas possam ser alteradas é necessário por parte do líder, antes de mais uma comunicação persuasiva, segura e cheia de exemplos que ampliem a visão do colaborador, depois é necessário apresentar exemplos e estudos que comprovem as razões da nova forma de pensar, é necessário de forma empática demonstrar os ganhos substanciais de uma nova forma de agir e, cabalmente estar ao lado do colaborador para o apoiar no esforço de mudança, ajudando-a a ressignificar as suas experiências e enquadrá-las na nova atitude, ou seja, explicitar claramente a ligação entre os resultados obtidos e a nova atitude.

Em forma de síntese, e aludindo ao título, falar não é assim tão simples, quando um líder, um formador fala, sabe que a sua fala tem que conter um conjunto de ingredientes que permitam primeiramente ter legitimidade para “abeira-se” da casa (cognitiva) de cada um e depois ir deixando lá algumas sementes (exemplos, histórias, estudos) semeadas com enorme convicção, paixão e persuasão como forma de garantir que não são expulsas de imediato. Essas mesmas sementes devem depois, no dia-a-dia, irem sendo regadas, demonstrando ao liderado eventuais evidências que o levam a por em causa a suas convicções instituídas e aos poucos a mudar a sua atitude. 

Nuno Gonçalves - Partner LearnView