Estamos a viver
momentos de verdadeira realpolitik no nosso panorama político, social e
económico. A realidade dos factos supera a ideologia, a moral e a ética. Como
diz o adágio “contra factos não há argumentos”. Ou há?
Desconstruamos
o tema, mas no contexto das organizações. Uma realpolitik é considerada uma
política realista e partindo desta visão os líderes poderão ter alguns
comportamentos sustentando-os com a força das circunstâncias. Como se as
circunstâncias lhes dessem uma moratória para em função da realidade poderem
agir de forma amoral ou sem ideologia.
Mas, será que o
mundo dos negócios pode ser dado a estas questões ideológicas e filosóficas?
Será que um líder poderá tomar decisões com base nos seus pressupostos
ideológicos? Analisemos a seguinte situação: imaginem que um líder está
confrontado com uma decisão estratégica – terá que tomar a decisão de
reorganizar a sua supply chain e para optimizar recursos e custos, deverá
recentrar a localização do seu armazém principal e necessariamente terá que
fechar o armazém secundário, pois a nova localização do armazém principal permitirá
cobrir a área deste. O CEO, por sinal, é guiado por valores bastante
arreigados, encontra-se numa encruzilhada – por um lado tem que tomar uma
decisão racional, de gestão, por outro tem que tomar uma decisão de liderança –
que envolve uma perspectiva emocional, porque implica mudança, despedimentos, possíveis
controvérsias e implicâncias no clima organizacional da organização. Por um
lado, existe uma opção facilmente sustentada em dados tangíveis, por a+b
teremos acesso a um conjunto de dados que comprovam a decisão de fechar um dos
armazéns como sendo uma decisão rentável para a empresa; mas por outro, temos
uma decisão que não sendo facilmente quantificável, poderá tomar proporções
gigantescas. Qual o impacto económico da instabilidade que provoca na cultura
organizacional? Desmotivação, falta de compromisso, conflitos poderá fazer com
que o “comboio” perca “gás” e a própria organização se possa atrasar face aos
seus competidores, pois o seu capital humano baixou a performance e joga com
menos “amor à camisola”.
Independentemente,
da decisão de fechar ou não o armazém, acreditamos que a utilização da Realpolitik
como forma de sustentar a decisão (de forma explicita ou não) é um autêntico tiro
no pé, isto é, a justificação de uma eventual tomada de decisão nesse sentido
(de fechar o armazém) com base apenas na racionalidade da decisão, ignorando e
tornando despiciendo os elementos ideológicos (e também emocionais) é de um
enorme perigo, pois para além do próprio líder poder perder a sua coerência
interna, poderá também perder a “alma” da empresa.
Por outro lado,
não estamos a dizer que a decisão deve ser apenas ser fundamentada na ideologia
e descurar a parte racional, aquilo que devemos dizer é que a decisão deve ser implícita
e explicitamente ser racional e ideológica – A Realpolitik não deverá obnubilar
o discernimento do líder ao ponto de ele perder o contacto com a realidade, com
as emoções, com as pessoas e o seu futuro e sobretudo com a ideologia, expressa
muitas vezes nos valores empresariais. Deve manter a clareza para conseguir
projectar e conjecturar as possíveis consequências da decisão que tomará e não
fechar as “cortinas” do pensamento arreigando-se e escudando-se com a real
crueldade dos factos.
Nuno Gonçalves - Partner LearnView