Nas últimas duas décadas, as organizações portuguesas
têm investido consideravelmente em desenvolver as competências comportamentais
das suas equipas (as chamadas “Soft Skills”) fruto de uma maior consciência do
valor das pessoas e da proposição estratégica de que cada organização deveria
desenvolver as competências que lhes permitisse diferenciar-se dos seus rivais
competidores.
As organizações apaixonaram-se pela “formação” e
acreditaram piamente que ela seria o “amor da sua vida”; aos poucos foram sendo
desiludidos e grande parte das formações nunca passavam da “lua-de-mel” –
significando que as pessoas participavam, envolviam-se, motivam-se durante o
processo formativo, mas passado uma semana, um mês conforme fosse o caso,
voltavam as rotinas e os velhos hábitos voltavam a imperar.
Os motivos, para além dos óbvios, relativo a
metodologias pouco integradas, isto é, sem a respectiva formação em cascata,
envolvendo todos os níveis hierárquicos; e, intervenções isoladas, sem nenhuma
intervenção a montante e a jusante dos processo formativo, ou seja,
diagnósticos pouco profundos e ausências de Follow ups sistemáticos que
facilitassem o processo de aprendizagem;
Os motivos, diríamos nós, para além dos acima
referidos, assentam naquilo a que na teoria da complexidade chamamos factores
emergentes. O que é que isso significa?
Na abordagem à complexidade – algo é complexo quando
existe:
a) Uma multiplicidade de potenciais elementos que
interagem entre si
b) Uma interdependência entre esses mesmos elementos
c) Um grau elevado de heterogeneidade desses mesmos
elementos
Assim, o que significa factores emergentes? Significa
que somando um mais um o resultado poderá não ser dois, mas algo maior ou por
vezes até menor que dois. O cliché populista da teoria dos sistemas: o todo é
mais do que a soma das partes. Pode ser cliché, mas todos os dias, no mundo
actual comprovamos a existência dele, quando por exemplo, um grupo se junta
para discutir um assunto novo ou um problema emergem (surgem, despontam)
soluções que não surgiriam se ambos partilhassem individualmente a sua opinião.
A sabedoria de um grupo costuma ser superior à sabedoria de cada um dos seus
elementos.
Qual a relação entre a complexidade, factores
emergentes e o insucesso na formação?
Um sistema é complexo porque as interacções dos seus
elementos está em constante dinâmica, em constante alteração, daí tornando o
sistema imprevisível.
Compreender que a formação é um processo complexo,
dinâmico, emergente permite-nos ter:
a) A humildade para reconhecer que não existe modelo
de formação pré-formatado que permita ter sucesso à partida, pois é
categoricamente impossível prever a multiplicidade de interacções, feedbacks,
entre os todos os elementos do sistema antes, durante e depois da formação,
sendo imprevisível saber o que vai emergir dessas relações, interacções e
feedbacks – podemos tentar influenciar esse processo, mas não podemos dizer
taxativamente que sabemos o resultado final desse processo, pois estaríamos a
ser intelectualmente desonestos.
Assim, coloca-se um desafio às empresas de consultoria
de formação – como efectivamente realizar o “delivering” da formação?
Primeiro que tudo, será importante assumirmos a
verdade em conjunto: não se pode prometer aquilo que é totalmente
impossível de prever – as empresas de consultoria podem efectivamente
influenciar o processo, dar excelentes contributos para a melhoria contínua,
para melhorar o autoconhecimento, mas assumir a mudança efectiva como o
“delivering” da formação é incorrecto e imprevisível.
Então, qual o “delivering” que pode ser feito pelas
empresas de formação? O que podem elas prometer efectivamente? Qual a sua
criação de valor?
Acreditamos que o futuro passa por formar em
complexidade. O que é que isso significa?
Significa que um processo de intervenção pela
formação, o consultor/formador deverá dar ao formando o papel de co-construtor
da aprendizagem, ajudando-a a descobrir; Colocando-o perante desafios que o
“desequilibrem” e que cada formando procure o “equilíbrio” através da
auto-organização e auto-regulação.
Tal metodologia, centrada no formando, retira poder ao
formador, que é apenas um facilitador; aumentam os riscos porque depende em
muito daquilo que possa emergir do grupo – mas esta metodologia torna a aprendizagem
verdadeiramente adaptativa e transformadora porque acontece de dentro para
fora.
As criticas evidentes a esta abordagem é de
controlarmos aparentemente menos o processo: a metodologia tradicional passa
pelas formações seguirem uma lógica top-down – alguém com aparente carisma e
uma brilhante eloquência partilha as suas histórias e aquilo que considera como
os factores críticos de sucesso e alguém assimila as suas ideias como se de
palavras mágicas se tratassem.
Mas, é de facto uma ilusão esse controlo – o ser
humano muda, transforma-se de dentro para fora, se for ele a controlar o seu
processo de transformação, de auto-organização – as probabilidades da mudança
ocorrerem serão muito maiores – assim, quando menos controlo maior a
mudança, quanto mais controlo maior a resistência à mudança por parte dos
formandos.
Como vender esta ideia da ilusão de controlo e de uma
metodologia que dá o controlo ao formando?
Talvez desta forma, honesta e intelectualmente
correcta, a aprendizagem deve ocorrer por meio de uma transformação individual
de dentro para fora – assim a formação consistirá num leque de caminhos que
serão desbravados individualmente, e o facilitador acompanhará esse processo
como um guia e não como um guru. No final do processo, a mudança será sobretudo
adaptativa e acontecerá ao longo de um processo, que será mais ou menos longo
conforme as motivações individuais de cada um.
Não somos ingénuos – se mal comunicada e mal
percepcionada esta ideia por parte das empresas, pode ser um autêntico tiro nos
pés – genuína, mas reveladora de uma impossibilidade – a de realizar o tal
desejado “delivering” que todas as empresas pretendem quando solicitam uma
formação, ou seja, pretendem que as equipas fiquem mais motivadas, vendam mais
e liderem melhor após uma formação “miraculosa” de três dias.
Se bem comunicada, pode ser reveladora da
transparência e honestidade em prometer apenas aquilo que é possível prometer. Este
é o “delivering” que acreditamos e que prometemos: uma aprendizagem recheada de
desafios adaptativos, que coloquem o formando e a organização na rota de um
processo de melhoria contínua.
Nuno Gonçalves – Partner LearnView